Naiara Azevedo e o preço de não cuidar do próprio dinheiro
Violência patrimonial contra a mulher e o que está em jogo quando buscamos independência emocional e financeira.
No último domingo, dia 3, fomos pegos pela entrevista da cantora Naiara Azevedo ao Fantástico, em que ela conta, dentre as várias violências que sofreu do ex-marido, o caso de violência patrimonial que viveu. A gente até já tinha um texto pronto para publicar aqui hoje, mas resolvemos mudar porque não dava para não falar disso.
A edição de hoje é leitura obrigatória para mulheres que ainda não têm pleno controle da própria vida financeira ou não se sentem seguras e confiantes na gestão das suas finanças. Na verdade, é leitura obrigatória para todo mundo, afinal, a violência patrimonial é só a ponta de um iceberg que envolve todos nós.
Bem, é claro que vamos falar sobre o assunto com os olhos treinados pela Psicologia, dando uma espiada nas sutilezas que estão lá no começo do problema e que podem parecem banais. Mas antes, vamos definir bem o que estamos falando:
É violência patrimonial “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.” (art. 7º, Lei Maria da Penha)
Saindo do juridiquês, vamos a alguns sinais claros de violência patrimonial:
Impedir ou limitar o uso do celular
Reter documentos
Fazer dívidas no nome da outra pessoa
Não permitir acesso às contas bancárias
Trocar as senhas do banco sem avisar
Negar ou dificultar acesso ao dinheiro do casal
Não pagar a pensão alimentícia aos filhos ou à(ao) ex-companheira(o)
Proibir ou dificultar o trabalho da vítima
Obrigar a vítima a vender bens
Voltando ao caso da Naiara, veja o relato dela:
“Os dois primeiros anos da minha carreira, 2016, 2017 foram os meus maiores faturamentos - quatro, cinco, sete milhões por mês. Sabe quanto ele me dava por mês? Mil reais. E quando eu falava assim: 'eu preciso de um cartão, preciso de dinheiro'. Sabe o que era falado para mim? 'Mas você quer dinheiro para que? Você tem tudo. As roupas que você usa, o projeto paga. Sua casa, estamos pagando. Seu carro, estamos pagando. Sua despensa está cheia. Mil reais não dá para você viver?’ Eu não tenho acesso a nada, nunca tive acesso a nada”.
Mas isso é tudo, menos uma novidade. Só esse ano, mas dois outros grandes casos vieram à tona na mídia nacional, o da atriz Larissa Manoela, em que seus pais não a deixavam usufruir, ou simplesmente saber, dos próprios ganhos, e da modelo Ana Hickmann, que foi alvo de endividamento compulsório, ou seja, contraiu dívidas em nome do cônjuge sem o seu conhecimento.
Mas nossa mitologia social ainda cria a ideia de que os homens são mais confiáveis e aptos a lidarem com todas as facetas do dinheiro (seja no fornecimento, seja na gestão), restando às mulheres o lugar do dispêndio e dissipação: as “gastadoras descontroladas”, ou “histéricas”, o que dá na mesma. É o caso da Naiara, onde o ex-marido a infantiliza: ela já tem tudo o que precisa, então “mil reais não dá para você viver?”, como que dizendo, “eu sei o que você precisa, o resto é capricho”.
Ainda assim, os fatos mostram exatamente o oposto: as mulheres tendem a cuidar muito melhor do próprio dinheiro do que os homens, inclusive com respeito aos investimentos. Então a pergunta que fica é: porque ainda depositamos tanta confiança no masculino? Ou melhor, porque ainda acreditamos pouco no feminino quando o assunto é dinheiro?
Se por um lado a violência patrimonial fácil fácil vem sob a forma de um suposto cuidado, afeto e carinho típico às manipulações psicológicas que ocorrem em relacionamentos abusivos - o famoso “estou fazendo isso para o seu bem” - por outro, percebemos que muitas mulheres, especialmente quando ganham mais que seus parceiros, deixam a gestão financeira a encargo deles, às vezes por medo de que eles se sintam inferiores, envergonhados ou excluídos do papel central de provedor da casa e, assim, abandonem o relacionamento.
Em ambos os casos, estamos falando de culpa, que sabemos bem ser um dos dispositivos emocionais mais comuns em caso de abuso psicológico. Culpa pela ingratidão de ser tão bem cuidada e ainda assim reclamar; culpa por retirar o homem de seu “lugar natural” e criar uma situação desconfortável.
É por isso que só saber o beabá de organização financeira nem sempre é o suficiente - embora sempre seja essencial. Quando falamos de independência financeira - o que é fundamental para a segurança e autonomia das mulheres -, é claro que saber se organizar financeiramente é importantíssimo, é a base prática que torna tudo possível, mas a outra face da violência patrimonial, como falamos, é o abuso emocional, e se as mulheres não tiverem autonomia e inteligência emocional, não adianta saber fazer o orçamento, a violência vai continuar acontecendo.
Compreender as próprias emoções, gatilhos e crenças em relação ao dinheiro e seu universo nos torna muito menos propensos a esse tipo de exploração, e a todas as outras. Além de conseguir reconhecer sinais de vulnerabilidade financeira, indivíduos emocionalmente inteligentes são mais capazes de lidar com situações financeiras desafiadoras, uma vez que são mais resilientes, resistindo à manipulação ou exploração por parte de outros.
Autoconhecimento é ouro num mundo ainda tão machista.
→ Te dar mais autonomia, confiança e tranquilidade financeira é um dos objetivos do PAF, o Programa Autodescoberta Financeira, um programa de acompanhamento para trazer consciência para suas finanças e inteligência emocional para seus comportamentos. Nossa próxima turma será em março de 2024, a única do ano. Você pode se inscrever na lista de espera, clicando aqui → . Em breve, entraremos em contato com mais informações!
📍Psi, essa é para você - Por que você escolheu a psicologia?
Ano passado, o Conselho Federal de Psicologia fez um senso nacional sobre o exercício profissional da Psicologia no país, o CensoPsi 2022. Uma das perguntas que fizeram foi: quais foram os fatores que mais influenciaram na sua escolha pela profissão?
A maior parte das respostas indicava os interesses pelos temas da área, seguido pela admiração pela profissão e, em terceiro lugar, o desejo de ajudar as pessoas.
Mas olha o que está em último lugar: a remuneração.
A amostragem do senso é de 20.207 psicólogos, isso significa que 39,5% escolheram a profissão movidos pelo desejo de ajudar as pessoas, mas só 2% escolheram pensando na remuneração.
Não há absolutamente nada de errado nisso, mas os números corroboram com uma percepção nossa: existe um conflito interno nos psicólogos que escolheram a profissão pensando em ajudar os outros quando chega a hora de precificar e cobrar pelo seu serviço.
Ainda acreditamos que gestos filantrópicos não devam ser bem remunerados, correndo o risco, caso contrário, de serem moralmente reprováveis.
"Tu quer ajudar as pessoas e cobrar tudo isso? Que tipo de 'ajuda' é essa?". Quem nunca ouviu essa voz dentro da própria cabeça?
Então, é claro, precificar nossos serviços não vai ser simples, porque não é um gesto moralmente simples, e muito menos emocionalmente simples, não na sociedade em que vivemos.
Bem, se você já está no nosso grupo de WhatsApp, sabe que esse foi o tema da nossa última roda de conversa para psis: precificação; se você não está, chegou sua hora de entrar.
Na roda, conversamos um bocado sobre o assunto, trouxemos nossas impressões e, naturalmente, aprendemos um tanto!
A boa notícia é que a roda ficou gravada e você pode acessá-la pelo grupo.
Se você for um(a) psi e quer entrar para nossa comunidade, é só me mandar uma mensagem por aqui que eu te envio o link!
Você é super bem-vindo(a)!
Mais uma newsletter primorosa! Direto ao ponto de conflito das mulheres com o dinheiro - a questão da dependência emocional. Leio com a felicidade de confirmar o caminho que escolhi: atender e orientar mulheres para uma vida financeira mais feliz e segura com a certeza de que finanças vai muito além dos números. Obrigada Instituto Psicologia e Dinheiro!