Há um tempo eu atendi uma mulher que era professora universitária, tinha um bom salário, mas estava superendividada. Vamos chamá-la aqui de Joana.
Quando eu a atendi, ela não tinha dinheiro para comprar uma marmita.
Como pode, né? Ganha bem, mulher inteligente, estudada… Que descontrole é esse? Dá pra pensar que talvez Joana não fosse tão inteligente assim.
As coisas poderiam ficar mesmo complicadas para Joana se não levássemos em conta uma coisa que pode parecer besta: o dinheiro é simbólico e pode representar qualquer coisa que a gente quiser.
E o dinheiro é simbólico porque nós somos seres simbólicos.
Através de símbolos ocupamos ou mudamos de lugar na sociedade, formamos nosso senso de identidade e nos comunicamos com os outros, e eu não estou falando das palavras. A roupa que você usa, as viagens que você faz e os sonhos que você tem são todos símbolos que te dizem quem você é e quem os outros são.
Só que como vivemos na sociedade do consumo, os gestos de comprar, pagar e adquirir têm um valor simbólico superpoderoso. Eles vão dizer cada vez mais sobre quem nós somos.
Nessa sociedade, é através do consumo que somos vistos, respeitados e valorizados.
Isso ajuda muito a entender o caso da Joana.
Você ainda não sabe, mas Joana veio de uma família que brigava muito por dinheiro e, com a morte precoce dos pais, ela cresceu num ambiente de escassez financeira em que só podia comprar o básico.
Para ela, o dinheiro significava, por um lado, conflito e atrito familiar, e por outro, a possibilidade de comprar coisas que lhe dessem o status e o reconhecimento que não pôde ter na infância.
Então, se por um lado ela precisava se desfazer dele o mais rápido possível, afinal, não queria uma coisa que traria conflito para sua vida, por outro, o gasto excessivo parecia nutrir uma necessidade emocional de ser vista e valorizada. Eram dois coelhos numa tacada só.
A história de Joana é a história de muita gente. Embora ela tivesse um salário acima da média, o que se passava dentro dela é o que se passa em muitos casos de endividamento, decisões financeiras equivocadas ou evitação financeira (quando evitamos entrar em contato com assuntos ligados ao dinheiro, como fazer o orçamento, conversar sobre o assunto, olhar o extrato etc.).
É uma mistura de necessidades emocionais não atendidas e associações negativas com o financeiro, tudo potencializado por uma sociedade que sacraliza o consumo e hipervaloriza o dinheiro.
Em casos assim, precisamos reconhecer essas necessidades, supri-las de maneira saudável e funcional, e aos poucos reconstruir o que sentimos, pensamos e esperamos do dinheiro.
Por isso que a Psicologia do Dinheiro é tão importante e eficiente: uma abordagem que consegue levar tudo isso em conta e não reduzir o problema ao seu lado matemático ou comportamental.
E eu tenho uma ótima notícia sobre a Joana: ela conseguiu sair do superendividamento e abriu uma empresa que ganhou prêmios de lucratividade por alguns anos seguidos.
Viu só? Com o apoio certo, todo problema pode ser resolvido.
→ A edição de hoje foi baseada na palestra que dei no começo do mês para a Abertura da XVIII Semana de Conciliação, do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT), sobre superendividamento.
Lá eu falo de outros aspectos que podem estar por trás do (super)endividamento. Você pode ver minha fala completa nesse link. Começa no min 33:00.
📍Psi, essa é para você - Atendendo endividados
Sim, existem muitos tipos de endividamento. Há pessoas que precisam de ajuda, mas que não têm condição nenhuma de pagar por um psicólogo. Esses casos dão uma discussão mais complexa, que vamos deixar para depois.
Vamos falar de casos em que o paciente, embora endividado, tenha uma renda que lhe permita pagar pela terapia. Seria o caso da Joana, por exemplo.
Como podemos ajudar de maneira efetiva essas pessoas? Qual é o papel do psicólogo nesse processo?
É comum que pessoas endividadas tenham uma relação ansiosa com o dinheiro. Essa ansiedade pode ser o que a tenha levado ao problema - como é comum em casos de evitação financeira - mas também pode ter se desenvolvido à medida que o problema foi tomando proporções maiores.
Minha orientação é: comece ajudando na regulação dessa ansiedade.
Isso vai permitir ao paciente entrar em contato com a realidade, conseguir olhar de frente para o problema e ter a calma necessária para pensar e seguir rotas de saída.
É bem possível que o trabalho leve a questões estruturais e mais profundas do problema, que também são concernentes à Psicologia do Dinheiro…
Por exemplo, uma pessoa endividada provavelmente vai ter que diminuir seu padrão de vida temporariamente. Isso pode ser extremamente difícil na convivência com os colegas de trabalho, que permanecem no mesmo padrão.
Sentimentos de inadequação, vergonha e exclusão podem aparecer, por exemplo. Uma situação que, se não trabalhada, pode comprometer ou dificultar muito o processo.
Mas o mais importante, a chave mestra para levar o tratamento adiante, é treinar nosso olhar para perceber a dimensão emocional da vida financeira, que é onde está a motivação implícita dos comportamentos, crenças e resistências que venham a aparecer.
Seguindo nessa trilha, dá para ir fundo e apoiar nosso cliente a chegar onde ele merece.
→ Se você for psicólogo(a), temos um Grupo de WhatsApp que discutimos sobre a Psicologia do Dinheiro e sua prática clínica. O atendimento de endividados, por exemplo, é um tema que o grupo já conversou. Para entrar, só me mandar uma mensagem por aqui que eu te envio o link! Você é muito bem-vindo!
Assisti à palestra e amei! Recomendo demais que assistam. Muitos insights importantes sobre a questão do endividamento.