Sua autossuficiência te afasta do dinheiro e do mundo
Como o individualismo constrói uma cultura financeira adoecedora
Talvez você seja bem individualista na forma como lida com seu dinheiro, e isso pode estar atrasando o seu progresso e a sua tranquilidade.
Na edição de hoje, falamos de individualismo, evitação financeira, sistema nervoso autônomo e porque é uma boa ideia construirmos uma cultura financeira mais coletiva.
Tempo de leitura: 16min
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De que individualismo estamos falando?
Para acalmar os corações e seguirmos o texto em paz, já adiantamos que não estamos defendendo nenhum tipo de socialismo implícito ou qualquer forma de coletivismo absoluto. É óbvio que a nossa vida financeira tem uma dimensão irrevogavelmente pessoal e que uma cota de “individualismo” é essencial. Dito de outra forma: precisamos buscar nossos interesses pessoais quando lidamos com o dinheiro e está tudo bem.
Mas também é óbvio que vivemos num mundo que nos incentiva a pensar, agir e sentir de uma forma excessivamente individualista e autocentrada, e com respeito a isso, não tá tudo bem. O resultado é uma dinâmica social que tende ao isolamento psicoemocional do indivíduo, um estado incontestavelmente adoecedor. O tema dessa edição é esse, porque, caso você ainda não saiba, isso tem tudo a ver com a maneira de melhoramos nossa relação com o dinheiro (e com o mundo).
Dinheiro é para os fortes?
Vamos combinar: a autossuficiência é um valor central na nossa sociedade. O que é ótimo, até o momento em que se transforma no sonho delirante de completa autonomia absoluta. Passamos a acreditar que devemos dar conta das nossas dores, dúvidas e sentimentos sem depender dos outros. O único problema é que isso é absolutamente impossível!
Trazendo para a vida financeira, que é uma área em que existe uma expectativa especialmente forte de autossuficiência, é comum ver certa resistência das pessoas em pedirem ajuda.
Se o dinheiro é símbolo de poder e independência, como é que vamos dizer que estamos endividados, talvez há anos, e não temos ideia do que fazer? Que não conseguimos controlar nossos gastos? Que não temos confiança suficiente para cobrar mais caro pelo que fazemos? Vão nos achar fracos? Inseguros? Burros e incompetentes? Por via das dúvidas, parece melhor não falar nada, e a gente vai seguindo como dá.
Nos isolamos socialmente e nos distanciamos emocionalmente, afinal, tem uma parte do nosso sistema nervosos que só entende uma coisa: estamos em perigo.
A teoria polivagal
Em 1994, o neurocientista e psiquiatra Stephen Porges propôs pela primeira vez a teoria polivagal em um artigo intitulado "O papel da segurança e de vínculos sociais na regulação do sistema nervoso autônomo”. Stephen e sua teoria são importantes para gente aqui porque, em parte, o sistema nervoso autônomo tem a função de regular nossa resposta biopsíquica a situações de estresse e perigo. Pra resumir, a teoria polivagal deixa mais claro, da perspectiva neurofisiológica, como podemos responder melhor a um mundo que nos faz sentir ameaçados pelas nossas próprias questões financeiras.
De maneira esquemática, quando nos sentimos ameaçados ou assustados (seja por um leão, seja pelo extrato do cartão) o sistema nervosos simpático é acionado e entramos no famoso estado de “luta ou fuga”. Aumento da frequência cardiorrespiratória, dilatação das pupilas e liberação de adrenalina; seu corpo pisou no acelerador.
Mas se, por algum motivo, seu sistema entender que a resposta de luta ou fuga é ineficaz - o que geralmente se constata com nossos problemas financeiros - o vago dorsal é ativado (uma das partes do sistema nervoso parassimpático) e nós, basicamente, nos fingimos de mortos: nos sentimos paralisados, imobilizados e desconectados social e emocionalmente. Seu corpo fundiu o motor e o carro apagou
Algumas consequências comuns da ativação do sistema simpático e do vago dorsal é a evitação financeira (como evitar verificar contas, investir ou se planejar), o congelamento de decisões (como a paralisia e procrastinação em relação a decisões financeiras) e a desconexão emocional com questões financeiras (como evitar pensar, falar ou ter qualquer envolvimento ativo com as finanças pessoais).
Para resolver esses problemas, a mensagem que passamos pro nosso sistema tem que ser outra; ele tem de se sentir seguro e acolhido, e aqui não tem jeito: precisamos do apoio de outra(s) pessoa(s).
Saúde financeira de verdade
É extremamente difícil resolver os próprios problemas psicoemocionais sozinhos. Essa dificuldade se explica pela nossa autopercepção equivocada sobre a origem, a natureza e a solução dos nossos problemas, pela facilidade de enfrentar uma sobrecarga emocional, pela falta de recursos, habilidades e estratégias de enfretamento adaptáveis e pela tendência a cair numa espiral de autocrítica.
Mas o mais importante é perceber que a tendência a enfrentar os problemas sozinhos é exatamente a causa dos problemas que estamos tentando resolver. O individualismo nos constrange a não procurar ajuda, os problemas crescem dentro da gente, entramos em estado de defesa e daí várias disfunções financeiras aparecem.
A solução passa por criar um ambiente seguro e acolhedor, seja em terapia, com amigos, colegas ou familiares. Um espaço em que, se sentindo fora da ameaça de julgamento e rejeição, nosso sistema ativa o nervo vago ventral, que nos induz a um estado de relaxamento, expansão da respiração e conexão interpessoal.
São nessas condições que temos a possibilidade de resolver questões emocionais problemáticas, ampliar perspectivas, realinhar metas e fortalecer nossa resiliência para desafios futuros. Em suma, são nesses espaços que conseguimos aprender a pensar, sentir e agir melhor com o nosso dinheiro.
O tema dessa edição não é aleatório. Por aqui, estamos preocupados não apenas em resolver o problema financeiro de quem nos procura, mas proporcionar um espaço em que cultivamos valores tais como: autocompaixão, fortalecimento saudável da personalidade, priorização do bem-estar mental, emocional e financeiro e, é claro, preocupação com o coletivo. Não parece óbvio para muita gente, mas nós acreditamos que tudo isso é essencial quando falamos de “saúde financeira” de um ponto de vista integral.
Convites finais, especiais e super a ver com o que falamos:
Falando em coletivos, temos uma comunidade incrível de psicólogos no WhatsApp. O grupo é exclusivo para psis e é um espaço de trocas e aprofundamento sobre o aspecto psicológico do dinheiro.
No começo de setembro começaremos um aprimoramento profissional em Psicologia do Dinheiro aplicada aos atendimento clínicos. Um treinamento especializado para psicólogos que não oferecíamos há bastante tempo (quem está no grupo de WhatsApp já tá sabendo desde a semana passada). Por aqui, estamos só a animação! Se tiver interesse, é só nos mandar uma mensagem por aqui.
Forte abraço,
Equipe Psicologia e Dinheiro