Oi oi!
Segunda edição da nossa newsletter e por aqui tamo animado! Nesse email, vamos falar sobre marshmallows e compras impulsivas com direito a uma aperitivo literário no final. Esperamos que você goste!
Antes de seguir, três dois breves avisos:
Neste sábado (06/05) farei uma supervisão focada para planejadores e educadores financeiros, direcionadas aos profissionais que querem lidar melhorcom a natureza psicoemocional do dinheiro com seus clientes
.Você pode saber mais e fazer sua inscrição por aqui.A lista de espera para a última turma do PAF está aberta. O Programa é para quem deseja engajar numa jornada de autodescoberta e mudança sobre sua relação com o dinheiro e se envolver em um processo terapêutico para uma vida financeira tranquila e saudável. Se inscreva por aqui.
É isso!
Qualquer dúvida, crítica ou comentário, é só responder a esse e-mail!
Lindo, branco e macio
Você entra numa sala, senta numa cadeira de frente para um prato com um lindo, branco e macio marshmallow, sua boca saliva enquanto uma pessoa te diz que vai te deixar sozinho por 15 minutos e, caso você espere até ela voltar sem comer o aperitivo, você irá ganhar um segundo lindo, branco e macio marshmallow.
E aí?
Talvez você não goste de marshmallows e 15 minutos não seja tanto tempo assim, mas para as crianças que passaram por esse teste durante uma pesquisa a questão era seríssima.
Você possivelmente já ouviu falar sobre esse estudo clássico do psicólogo Walter Mischel na década de 1960 que usou marshmallows ou outros doces para pesquisar a gratificação tardia e tomada de decisões em crianças.
O interessante é que depois de administrarem o teste, Mischel e seus colegas, acompanharam as crianças por mais 30 anos e monitoraram como elas se saíram na vida. A ideia era ver se havia uma correlação entre a capacidade de autocontrole e o “sucesso”. Pelos seus resultados, as crianças que esperaram por mais tempo apresentaram, em média, melhor desempenho escolar, melhor resposta ao estresse, menores níveis de abuso de drogas e melhor estabilidade financeira.
Essa pesquisa teve intensa repercussão e ajudou a reforçar muitas das crenças comuns que temos a respeito do mérito individual, do sucesso e, claro, da impulsividade. Só que as coisas são mais complexas que isso.
Nem todos os marshmallows são iguais
Existe um pressuposto sutil e generalizado de que a ação impulsiva tem suas raízes na falta de autocontrole. Quando mesmo sabendo que o orçamento pede pra economizar e você ainda se vê pedindo um hambúrguer pelo ifood ou comprando uma roupa (linda quem sabe, mas que você não precisava tanto), é comum pensar que o problema, é claro, está num incapacidade de puxar o freio de mão do impulso. Impulsividade é sintoma de descontrole interno, ou seja, é um problema de responsabilidade individual.
Nessa direção, uma pessoa “controlada”, portanto, não sofre com a impulsividade e não gasta seduzida pela gratificação imediata. Ela tem visão de longo prazo, ela tem pensamento estratégico, ela nasceu para o sucesso.
O problema é que essa é uma visão profundamente meritocrática. E isso é um problema porque a meritocracia – para além de qualquer preferência ideológica ou política – é seriamente incapaz de perceber o contexto mais amplo de certos fenômenos.
A ideia aqui não é discutir a meritocracia, mas é importante iluminar certos valores e crenças culturais que geralmente atuam de maneira implícita, e a meritocracia é um deles. Ela é um modelo mental que enfoca e supervaloriza os fatores individuais na descrição das causas de um fenômeno – por exemplo, é o descontrole da criança que a faz comer o marshmallow; é o controle da criança que a faz ser bem-sucedida – e minimiza os fatores coletivos que também estão envolvidos.
Recentemente, novos estudos com a mesma estrutura (crianças, marshmallows e a coisa toda), mas com outra amostragem trouxeram novos dados à tona. Em 2018, Tyler Watts, Greg Duncan, Haonan Quan refizeram o teste clássico do marshmellow, mas dessa vez com 10 vezes mais crianças que o no antigo teste de Mischel e com mais representatividade de termos de raça, etnia e educação dos pais.
O novo estudo sugere que a capacidade de esperar por um segundo marshmallow é moldada em grande parte pelo background social e econômico de uma criança, e que é esse background - não a habilidade de adiar a gratificação – que está por trás do sucesso das crianças. Nesse caso, não é apenas o descontrole ou o controle individual que garantem o sucesso, mas o contexto externo em que a criança vive.
O que sentimos pelos marshmallows
Uns falam do que nos move a partir de dentro, outros falam do que nos impele do lado de fora, e o que tem no meio disso?
Olhando para essa discussão toda, a forma como a psicologia do dinheiro enxerga o problema traz uma compreensão nova, que envolve olhar para nossas emoções, crenças e ideais.
Por trás de um impulso existe sempre uma emoção. Na verdade, em boa medida, o impulso é uma maneira que temos de lidar com essa emoção, seja ela boa ou ruim.
Briguei com meu filho, sinto-me triste e angustiado: comprar pode aliviar essa sensação;
Estou feliz de estar com meus amigos e celebrar o meu aniversário: comprar pode ser uma forma de confirmar ou prolongar essa sensação;
Tive um dia estressante no trabalho: o prazer da compra pode trazer relaxamento e leveza.
Mas a forma como cada um lida com o que sente muda muito, porque cada um tem uma história completamente diferente que ensinou valores, crenças e objetivos muito específicos sobre o mundo, o dinheiro e o que sentimos no meio disso tudo.
Não é simplesmente pondo uma coleira em nossos impulsos, ou responsabilizando nosso contexto sociocultural que vamos mudar. É claro que refrear a impulsividade é importante e lutar por condições melhores para todo mundo é fundamental, mas a psicologia do dinheiro aborda esse problema procurando dar ao indivíduo (1) mais consciência sobre a rede de fatores que compõe a sua vida e (2) mais poder sobre como ela lhe afeta.
Numa palavra, estamos falando de autoconhecimento – saber o que te faz ser quem você é – e autonomia – saber interagir de maneira eficiente com isso tudo. É claro, o pressuposto é de que falamos com adultos. Exigir esse tipo de coisa de crianças é um desvario.
O interessante é que nossos valores, crenças e objetivos são fatores internos formados a partir da nossa interação com o meio externo. São as marcas que o mundo deixou na gente e que nos fazem agir, pensar e sentir de determinada maneira. O tipo de coisa que é bom saber lidar.
Antes de encerrar, é bom deixar claro que em muitos casos as condições externas são esmagadoras, e a impulsividade pode sim ser uma forma eficiente de lidar com essas condições. A perspectiva de um segundo marshmallow é irrelevante quando uma pessoa tem bons motivos para acreditar que o primeiro pode desaparecer.
A história do marshmallow
Do ponto de vista da psicologia do dinheiro, algo fundamental para lidar com a impulsividade nas compras é começar a mapear seu mundo financeiro interno, o que vai dar uma melhor noção das causas desse comportamento.
Ir respondendo a essas perguntas são um ótimo começo:
Quais significados o gesto de comprar tem na minha família?
O que minhas vivências (especialmente quando criança) me ensinaram sobre se abster de algo agora para usufruir depois?
Como me sinto antes e depois de comprar por impulso?
Quais tipos de pensamentos e justificativas aparecem quando estou comprando por impulso?
Como meus pais gastam seu dinheiro?
Um mapeamento mais profundo, bem como outras etapas do processo, pede o apoio de um profissional e leva tempo, mas oferece resultados mais consistentes e duradouros (no PAF fazemos esse trabalho que ajuda a resolver essa e várias outras questões financeiras).
Voltando aos marshmallows, é importante lembrar que nossos comportamentos são fenômenos complexos e lidar com eles nos pede calma e abertura. Eles sempre tem alguma coisa para nos contar sobre nós mesmos e sobre como o mundo atuou na formação de quem somos.
Enfim, um marshmallow nunca é só um marshmallow.
Pra fechar, um trecho, sugerido pelo Evandro, do livro Prosperidade sem Crescimento: Vida Boa em um Planeta Finito, de Tim Jackson e José E. Mendonça, que traz uma reflexão sobre a natureza simbólica dos bens de consumo:
"Bens de consumo, sugere o antropólogo Grant McCracken, nos fornecem uma ponte tangível a nossos ideais mais altos. Eles falham, claro, em fornecer um acesso genuíno a esses ideais, mas, ao fracassar, deixam aberta a necessidade futura de novas pontes e, assim, estimulam nosso apetite por mais bens. A cultura do consumo se perpetua aqui precisamente porque se sai tão bem no fracasso!"
Um abraço,
Equipe Psicologia e Dinheiro
"a forma como cada um lida com o que sente muda muito, porque cada um tem uma história completamente diferente que ensinou valores, crenças e objetivos muito específicos sobre o mundo, o dinheiro e o que sentimos no meio disso tudo"
Fui arrebatada por esse trecho que explica tanta coisa que experimentamos ao longo da vida.
Cada vez mais tenho confirmado que a construção sustentável de independência e autonomia pessoal também passa pelo caminho do autoconhecimento.
Mas, também não podemos ignorar a reflexão trazida por esse outro trecho:
"em muitos casos as condições externas são esmagadoras, e a impulsividade pode sim ser uma forma eficiente de lidar com essas condições. A perspectiva de um segundo marshmallow é irrelevante quando uma pessoa tem bons motivos para acreditar que o primeiro pode desaparecer."
Eu amei saber que o teste do marshmallow foi revisitado e ampliado trazendo reflexões mais realistas.
Obrigada por essa newsletter!